Snoopy Sniper

A pedido de tanta família farta de quezília, Gémeo Luís sugeriu a temática e Eugénio Roda tratou da gramática.

O professor ligou o computador. Alguns estudantes calaram o despertador sem largar o cobertor. Foram todos chegando e subindo ao espaço, numa viagem de ida e volta mais rápida do que um passo: as comunicações têm implicações. Lá em cima, satélite em câmara lenta, todos olharam, deslumbrados, o planeta, como quem vê rebuçados, na ponta da caneta. Fantástico, maravilhoso, excecional! Bombástico, audacioso, genial!
A uma só voz, sem exceção,
todos cantaram o refrão:

somos tão sofisticados
somos tão especiais
curiosos, interessados
em aprender mais
e mais.

Num segundo, desceram ao computador. Uns vinham sem câmara, outros sem microfone.
E o professor começou, como quem mete a boca no trombone.
Está tudo feito? O que está por fazer? Está tudo lido? O que está por ler? Está tudo escrito? O que está por escrever? Nada de nada, tudo de nada, quase tudo de quase nada. Tudo covidassim, nada covidassado, entre gente focada no programado e gente calada, escutando o fado. Vamos, puxem da caneta.
Vamos, puxem pela cabeça. Mas, do outro lado, entre todos os observados, alguns escondiam-se, desligados: com garras de gatinho no gatilho.

Lá de cima vê-se a terra, radiante. Cá em baixo, vê-se a guerra. Adiante, que a cobardia não é a única desordem na ordem do dia. Cada um na sua toca, toca mas é a trabalhar. Quem não quiser, não lhe toca – no trabalho – mas, depois, não se venha queixar. Ou armar. Ou jogar com trunfos que são doutro baralho.

Texto Eugénio Roda . llustração Gémeo Luís . 31.05.2021