Cantos da Casa

A pedido de várias famílias, Gémeo Luís sugeriu os santos populares e Eugénio Roda espreitou alguns lugares.

São João da Foz levantou a voz: só tu restas, bem o sabes, tens as chaves, fecha as festas! Do outro lado da água dourada, respondeu-lhe, apressado, São Pedro da Afurada: bem o sei, mas tu bem vês, deste-jeito-de-gente-que-não-se-junta, podíamos ter feito, desta-vez-farra-conjunta! E, às tantas, desceu Santo António das Antas: ainda vamos a tempo de juntar o talento e folgar um momento! Meu dito, teu feito, bendito proveito.
Alho-porro e martelo? Deixa lá o duelo! Saltar a fogueira, fogo de artifício? Não vale a pena o exercício! Nem cascata nem balão? Desta vez, talvez não! Nem um só manjerico para se cheirar? Traz mas é o manjar!
É sabido e concebido que os santos da brasa fazem milagres de sardinha e pimento com mui sentimento. Mas santo folião não pensa sem empurrão nem dispensa confusão. Pedro e João, de broa e sardinha na mão, António esperando com a fatia de pão: então e a minha? Calai-vos, ó bobo, que sois o mais novo! E no vinho João batizava a sua comida e a Pedro de Roma tirava a bebida e a António de Pádua, só lhe dava água. E o vinho? Perguntavam eles de mansinho. Mas João não passava cartão. E Pedro, firme como um rochedo, deitava a mão a um copinho debaixo da mesa e disfarçava com a conversa acesa: pois Antoninho, sois mesmo mais novo e talvez sejais pleno, podeis ser o doutor do povo, mas nós é que andámos a preparar terreno! Mas João Batista enfrentou o parceiro: nós menos tu e mais eu! Eu é que fui o primeiro projetista!
Era tal a porfia, que nenhum queria saber do que o outro sabia. Se um dizia «sim» disto ou daquilo, outro dizia «não» batendo o pé no chão. Misturavam alhos com bugalhos, saltavam de matrimónio para património como pirralhos, defendiam a fama e a sua dama: e as Termas de São Pedro? E as Grutas de Santo António? E o Forte de São João? E foi um pandemónio. Naquele diz que diz, os três atraíram os primos espalhados pelo país: Pedro da Cova, Pedro de Solis, Pedro do Sul, Pedro de Moel, Pedro da Cadeira, até um Pedro que vinha de Vila Frescainha, puseram-se ao caminho de fininho. E logo António da Charneca, António de Lisboa, António dos Cavaleiros, António dos Olivais, se juntaram aos demais. E também João da Madeira, João da Barra, João da Ribeira, João de Fora, João do Monte, João da Pesqueira, se juntaram a eles, em amena cavaqueira.
Caminhavam falando à distância, com alguma arrogância, garra e algazarra: Cascais dessa maneira em Pedro do Estoril? Atalhava Pedro de Rates, roendo a ratice a João da Talha. Sois de Penaferrim ou de Canaferrim? Perguntava João de Ver a Pedro de Sintra, num grande chinfrim. Só Pedro do Campo e João do Campo se olhavam, calados e se comparavam com algum espanto. E, à entrada da Invicta, num acerto de contas, um António ou um Pedro não-sei-das-quantas, rogava uma praga, mandando João do Porto abaixo de Braga. Ouvindo e vendo tanto pranto, o santo da casa colocou voz convicta: um momento, um momento, somos santos a mais por metro quadrado! E, condenando o ajuntamento como quem não perdoa um pecado, reinvestiu com discernimento: deixai-vos de amadorismo, não estragueis o turismo! Cada um, onde está, faça a sua festa, mesmo que não seja desta! Um a um, dois a dois, três a três, pela estrada fora, foram indo embora. E, com culpa ou sem culpa, alguns com vontade, outros com azia, lá pediram desculpa, com mui santidade, à geografia.
De norte a sul há Pedros, Joões ou Joães e Antónios. São os três [mil] santos pra pulares, daqui prali e dali praqui, até te cansares.

Texto Eugénio Roda . llustração Gémeo Luís . 29.06.2020