Ali Babá e a Quarentena de Ladrões

A pedido de muitas famílias divertidamente solitárias e com forte entusiasmo imunitário, Eugénio Roda forçou uma velha história e Gémeo Luís reforçou uma história nova.

Fechados na gruta os quarenta ladrões faziam quarentena com os seus milhões. Com-apostas-online-poker-digital-especulação-na-bolsa-e-coins-e-pirataria-informática-et-cetera, pensam as más línguas. Não. Não ponhas sempre ideias onde tecnicamente elas não existem que podem ficar feias. Naturalmente uma só coisa aos ladrões interessava fazer: cuidar das moedas amontoadas guardar o tesouro de mangas arregaçadas. Ora para melhor vigiar era preciso contar e separar a brilhante cordilheira em quarenta montanhas douradas. Deitaram mãos à obra. Só as mãos pois o resto do corpo não podia deitar-se com tanto que havia a fazer.
Seguiu-se a vigília. Cada um dos ladrões arregalou os olhos de par em par e assim ficou sem pestanejar sem comer sem dormir sem fazer outras coisas em que estão a pensar. E nisto passaram mil e uma noites. E naquilo levaram dois mil e dois dias. Ora quando a atividade é irrisória lá se vai a faculdade da memória. Findo o estado de paciência veio a reticência: qual era a palavra-passe para sair dali? E veio a divergência.
Um dos ladrões deu logo uma hipótese com negligência. Outro chegou-se à frente com a sua experiência. Uns e outros tentaram exibir grande sapiência. E mais este e mais aquele puseram à prova a sua influência. Mas todos falharam a essência e nem o chefe fez valer a sua prepotência. Em vão procuravam ir ao encontro da sorte. Quando bate à porta o azar entra sem precisar de a abrir. Tinham todos perdido a competência. Estavam todos privados da eficiência. Mas persistiam na diligência: diz lá aqui põe-te ali olha praqui assim ou prali vai vai… vamos tentar o melhor que… ai!
Por coincidência (ou por conveniência do narrador ou por displicência do autor) passava perto da gruta um lenhador cuja dor de nada fazer partilhava com seu jumento ultrapassando toda a virulência do momento. À porta da gruta parou e ali escutou o blá blá que vinha de dentro. E se bem escutou melhor percebeu. E se bem se apressou, melhor resolveu. Abre-te Gergelim! E assim o lenhador devolveu à normalidade o folhetim. Os técnicos menos irónicos defendem que foi porque ali analisou a palavra-passe e a renovou. Os especialistas mais puristas teimam que foi porque ali lhe ocorreu a história original com parca memória e ponto final. Eu digo simplesmente e a toda a gente que foi porque ali se lembrou das bolachas de sésamo da mulher e dos sinónimos com que fazem as pazes depois de afiar a língua com a antonímia da vida.
Quando a gruta se abriu só um ladrão saiu. E os outros? Que se mostrem! Atirou o lenhador. Receiam o contágio! Esquivou-se o chefe dos ladrões mascarando a verdade e tentando lavar daí as suas mãos. Agora não sou – esclareceu o lenhador sem arredar dali pé – mas no final desta história serei rico, cá sem o oiro é que eu não fico! Habituado a esperar o crescimento das árvores sentou-se calado e sem pressa. É para isso que servem as sentenças que correm de boca em boca. Para manter avenças e desavenças sejam lá elas quais forem. Vitória vitória talvez tenha apressado ou não tenha acabado esta história. Mas quem vier faça dela o que quiser: reescreler rimacontar ou descorrigir colocando vírgulas onde não as houver.

Texto Eugénio Roda . Ilustração Gémeo Luís . 12-05-2020