A Casa que o Meu Pé Prende

A pedido de algumas famílias desconfiadas de tanto confinamento, Eugénio Roda repescou a molengalenga
e
Gémeo Luís redesenhou a contenda.

A formiga vai à terra
E a família em casa prende.

Ó casa, tu és tão forte,

Que, em-paz-connosco-na-guerra,
Nosso lume, em ti, se acende!

Em ti, ficamos na berra,
Que a nossa fama se agende!

Faro não, que é Finisterra!
Em casa, o menino aprende.

A fazer de fio-terra,
À espreita, o pai apreende.

Um se mostra, o outro, berra
P´la casa, quem se arrepende?

Se, em nada, já ninguém erra,
Em casa, o saber ascende!

Ai a máquina, que emperra!
De casa, tudo se atende.

Faça-se mais algazarra!
Já que, em casa, se compreende.

Afinal é mesmo farra!
E em casa, alguém condescende.

Ou, então, uma fanfarra
Que, em marcha, a causa defende.

Tanto precisa de garra
Quem tanto disto depende!

Veja lá, fuja, vá, corra
Quem algo a mais depreende.

Suba ao alto da masmorra
E o segredo desvende!

Ui, é mais esta que espirra!
Ai, se o fio se desprende!

Ui, é mais este que embirra!
Ai, tanto se desaprende!

Oh, que coisa! Bolas! Irra!
De quem é que ele descende?

Sempre gigante na birra!
E, no juízo, um duende!

Atenção, sua bocarra,
Cada um que a remende!

Quem não gostar de alcaparra,
Outra comida encomende!

Entretanto um põe a jarra,
E, o outro, a roupa estende.

Há sempre um que quebra a barra
E ninguém o repreende.

Quem, contudo, nunca esbarra,
É quem, por nada, se ofende.

Mas quem tal narra e renarra,
Diga lá o que pretende!

Ai é preciso pachorra!
P´ra quem tal e tal transcende.

Antes que a gente aqui morra
Da vida que se suspende,

Tragam notícias do norte!
Que aqui já nada surpreende.

Boas novas, outra sorte!
Para quem me subentende.

Há brisa que nos conforte?
Há fogo que reacende?

Quem é o bobo da corte?
Quanto peixe a mais se vende?

Como fazer contraforte?
Há alguém que recomende?

A quem há coisa que importe?
E se a casa se revende?

A formiga, em pé de guerra,
Na paz caseira o pé prende.

Ó casa, tu és tão forte

Que o meu pé nem se arrepende,

Eu, formiga, sou tão forte

Que me arrasa o vento norte!

E o vento que o diga!

Então, cá vai, um, dois, três,
E desta, agora, é de vez:

Ó formiga-minha-amiga!
Ó formiga-alva-e-branca!
Ó formiga-livre-de-asa!

P´ra que a tua vida siga,
E te deixes de retranca,
vou eu soprar-te a casa!

Texto Eugénio Roda . lustração Gémeo Luís . 16-06-2020