“Lobo Bullying é uma excelente reflexão sobre a liberdade”

Estamos excecionalmente cativos mas o nosso cativeiro é consciente, estratégico, protocolar, assistido. Somos convidados a abrir livros em vez de nos proibirem de o fazer. Somos estimulados para a manutenção e reforço da nossa personalidade em vez de nos diminuírem a auto-estima. Somos envolvidos no reforço da solidariedade social em vez de nos separarem. Estamos cativos mas também cativados: por tudo o que de bom nos rodeia, por todos quantos cuidam de nós. Não tiveram esta sorte muitos e muitos lobos, na relação com os humanos. Não tiveram esta sorte, muitas e muitas pessoas, entre os da sua própria espécie. Co-memorando a liberdade, Rita Pimenta comentou Lobobullying no Jornal Público, na edição de 25 de Abril:

“Todos querem saber/ Da fama do lobo.// Ninguém quer saber/ Da fome do lobo”, pode ler-se na página 10.

Antes, um poema, feito de perguntas e respostas, interpela-nos sem cerimónia: “O homem não brinca? O lobo brinca!/ O homem não ensina os filhos? O lobo ensina os filhotes!/ O homem não protege a família?/ O lobo protege a alcateia!/ O homem não fala?/ O lobo uiva!/ O homem não organiza?/ O lobo organiza!/ (…)”

É difícil não se ficar a pensar nas diferenças e semelhanças entre as duas espécies e na forma como temos maltratado estes mamíferos, na realidade e na ficção.

Dizem os autores que “Lobo Bullying” é “contra os mal-entendidos”: “Neste livro, revisita-se o lobo e a memória viva da sua perseguição. E também da sua protecção, do seu direito à vida, da sua importânica no ecossistema. Parte-se de lendas e fábulas, de histórias de vida e de morte, de velhas notícias e novos estudos, de crenças e factos, de problemas e soluções, para reescrever e ilustrar uma das mais antigas formas de ‘bullying’ arquivada na memória colectiva. É um livro contra os estereótipos, um livro contra os mal-entendidos, contra a preguiça da criatividade.” Tudo verdade.

O livro obriga ao desconforto do leitor, físico e psicológico. Físico porque lhe dificulta a leitura, ora forçando-o a ler textos “deitados”, ora usando uma letra minúscula, que impõe uma atenção redobrada. Psicológico porque o força a reflectir sobre informações como esta: “No século XX, durante a primeira metade, os lobos começaram a desaparecer, principalmente por perseguição humana. Nos anos 60 começou a extinção de lobos no Sul do país. Nos anos 90 a população de lobos lobos passou a ocupar apenas um quinto da área originalmente ocupada. Actualmente, só há lobos no Norte, de Viseu para cima.”

E desconcerta-nos com este exercício de perseguição: “Imagina que andas com a tua família à procura de restaurante para almoçar e que: a) O teu pai leva um tiro sem saber de onde vem o disparo; b) O teu irmão mete o pé numa armadilha ao sair do automóvel; c) A tua mãe é envenenada ao provar o primeiro prato; d) Tu sobrevives até à próxima perseguição.”

Também se conta a história verdadeira do menino da Serra Morena. “Morreu-lhe a mãe e a madrasta bateu-lhe quanto quis. Foi vendido pelo pai a um pastor com quem aprendeu a sobreviver. Desapareceu-lhe o pastor e a solidão entregou-o à serra. Foi acolhido por uma loba que lhe matou a fome. Uma dúzia de anos entre lobos e o menino aprendeu com eles tudo o que não sabia.”

Pode pensar-se que é um livro cruel, mas não mais do que qualquer situação de “bullying” vivida por animais ou pessoas. E é para isso que os autores querem alertar. Conseguem-no. Com uma linguagem original e uma imagem singular, “Lobo Bullying” é uma excelente reflexão sobre a liberdade.

Rita Pimenta