A dupla foi ao Douro Internacional fazer um livro
A convite da Direção Regional de Cultura do Norte para o projeto Pintar o Verde com Letras, Eugénio Roda e Gémeo Luís foram a Trás-os Montes fazer trabalho de campo para preparar um livro tendo a região como pano de fundo, na promoção dos seus valores culturais, musicais, literários, históricos, sociais, paisagísticos, biológicos, zoológicos, etc. No centro das atenções estava o Parque Natural do Douro Internacional com uma visita guiada pelos seus responsáveis.
Outros dias se seguiram com visitas a pontos de interesse patrimonial, a lugares carismáticos (e também menos conhecidos) da região, no contacto com costumes e tradições, pessoas e instituições como museus, associações ou escolas. O património linguístico, a fauna e a flora, as figuras e as personagens do imaginário popular, os jogos populares, o artesanato, a gastronomia, etc, foram muitos os temas e subtemas que compuseram o mapa referencial do projeto. E que rechearam o trabalho de casa, apoiado em documentação especializada, bibliografia diversificada, edições discográficas e anotações pessoais do trabalho de campo.
O livro nasceu. Puseram-lhe o nome de Erva-Palavra. É um livro fechado para quem quiser abrir. Um livro aberto para quem quiser ler. Um livro lido para quem quiser contar. Um livro contado para quem quiser ouvir. Um livro ouvido para quem quiser adormecer. um livro adormecido para quem quiser sonhar. Poemas, lengalengas, narrativas, ilustrações que evocam cenários, animais, personagens, paisagens, vão surgindo pelo livro, que termina com um texto em mirandês (traduzido por Amadeu Ferreira). Erva-Palavra é uma coleção com princípio, meio e fim de fragmentos de coisas maiores que lançam ideias, que revelam segredos, que introduzem temas, que convidam a contar o que lá está – e o que lá não está de uma maneira estando de outra. E que convidam a visitar, a estudar, a conhecer a região.
Os promotores do projeto, Helena Gil e João Luís Sequeira da Direção Regional de Cultura do Norte, falam de Erva-Palavra e da relação com a região transmontana: Helena Gil diz que “Erva-Palavra soube captar muito bem a intenção do promotor e captar ainda melhor as características do nordeste transmontano e o seu património natural e imaterial. Através do conjunto de textos que constituem o livro, subtilmente cerzidos, num notável trabalho de patchwork, é possível desvendar e descobrir a região. Para isso os autores lançaram mão de uma variedade de registos literários, mas mantendo as características da oralidade, do contar, do dizer em voz alta, e da utilização de uma linguagem popular (que não popularucha). Debaixo dos nossos olhos passam as lengalengas e trava-línguas ( não as tradicionais mas produzidas seguindo a técnica e a toada
das tradicionais), as brincadeiras de palavras, os trocadilhos, ardilosamente construídos, num esforço de criatividade muito conseguido. E depois é o universo dos animais que fazem o dia a dia, da flora, da gastronomia, do rio, das barragens e das arribas que fazem o desenho da paisagem… da paisagem física e natural mas também da humana e social. A culminar e a terminar esta teia de referências culturais surge o texto em língua mirandesa, componente fundamental, porque é o veículo, a seiva que percorre intimamente e dá sentido a esta Erva.
Estrategicamente colocado no fim do livro, o texto em mirandês ganha o sentido de plenitude que a identidade do nordeste exige.”
João Luís Sequeira refere que “enquanto promotor e participante do projecto Pintar o Verde com Letras, vi a abordagem do livro Erva-Palavra à região do Planalto Mirandês como uma forma original e inteligente de dar a conhecer ao público escolar aspectos históricos, naturais e culturais que tornam esta região e este povo em casos verdadeiramente singulares que urge preservar e divulgar. – Um dos mais interessantes aspectos do livro Erva-Palavra tem precisamente a ver com as múltiplas abordagens que permite a todos os professores e formadores que entenderem utilizá-lo na sua actividade docente. Este livro é uma celebração de palavras e formas que abre perspectivas de análise do território e das suas gentes através da geologia, da biologia, da história, da música. Etc. – Erva-Palavra constitui-se também, tanto no texto como na ilustração, como uma abordagem contemporânea do território e da cultura do Planalto Mirandês que promove a região do Planalto Mirandês no exterior e estimula o desejo de visitar este território. A inclusão da língua mirandesa neste livro constitui-se como um elemento significativo e indispensável à compreensão da cultura mirandesa e completa e enriquece o painel de elementos naturais e culturais abordados. É também mais uma contribuição para a divulgação e preservação desta língua.”
Na recensão do livro publicada na Casa da Leitura, Ana Margarida Ramos diz: “Resultante do projecto “Pintar o Verde com Letras”, uma iniciativa da Direcção Regional de Cultura do Norte, este volume – parte-integrante de um conjunto de oito – é um hino à natureza e à poesia que desta emana. Pautado pela novidade linguística e por um sensorialismo envolvente, o discurso desenvolve-se em torno das paisagens, da fauna e da flora do “velho” rio Douro. É esta a fonte de inspiração para o convívio com a palavra literária. O entusiasmo contemplativo e imaginativo do autor reflecte-se nos sucessivos jogos linguísticos, semânticos e fonéticos (de notar as diversas coincidências sonoras ou a rima presente em muitos segmentos da obra), no ritmo vivo, por vezes, quase torrencial, que imprime ao relato, nas diversas micronarrativas encaixadas que pontuam o texto e, ainda, nas fortes ressonâncias da literatura tradicional oral, por exemplo, dos travalínguas. A componente pictórica, assinada pelo ilustrador Gémeo Luís, evidencia alguns dos traços recorrentes e singularizantes da expressão visual deste artista. As ilustrações, jogando com o negro e o branco, construindo um espaço visual marcado pelo contraste e criando, até em certos momentos, a ilusão da sombra, abrem outros caminhos de leitura.”