Começar a falar de medos sem medo

Mais um livro da dupla Gémeo Luís/Eugénio Roda em torno do lobo: Paredes a Meias.

Uma vez mais, Rita Pimenta visita as Eterogémas, levando-as num passeio por entre o Público. Desta vez leva o lobo a passear, com o livro Paredes a Meias. A jornalista começa por dizer que “quem conhece as Eterogémeas não estranhará que a capa do livro não tenha o título inscrito [e que] só a lombada nos informa, em duas línguas, o que vamos ler.” Sugere o convite às crianças, e não só, à observação e descoberta do lobo e do abraço que se fundem na ilustração da capa.

O passeio com e pelo livro continua: “«Todos os dias são dias de fazer coisas sérias e de brincar, de jogar à bola, às escondidas, ao pião, ao eixo.» Esta é a primeira frase que se pode ler no livro, mas com esforço. Não só porque aparece na vertical (obriga-nos a torcer a página ou o pescoço…), como por ser impressa numa letra muito pequenina (obriga-nos a arregalar os olhos ou a recorrer a uma lupa).”

E o passeio avança com a conclusão de que “Ler exige esforço. Mas é um belo exercício.”

Não podemos estar mais de acordo com a jornalista. E todas essas operações que fazemos com o pescoço ou com a ajuda de instrumentos como a lupa acrescentam uma dinâmica que nos interessa nos livros. Os autores não devem dizer ao leitor como ler ou apreciar os seus livros (por mil e duas razões), podendo apenas dizer como os fizeram, o que pretendiam com eles, etc. Então, porquê, como e para quê este livro?

Paredes meias é um livro que quer colocar a questão do tabu em torno do lobo, que mistura o lobo real com o lobo imaginário («inevitavelmente mau») do segredo, do medo de falar, do teatro cujo cenário familiar tem palco privilegiado ao serão, quando as histórias e as conversas deixam todos os conversadores entre o mistério e a revelação, entre a dramatização e o sorriso congelado.

O livro foi pensado em duas partes. Primeiro, vem o dia, depois vem a noite. A primeira parte introduz uma memória das coisas que diariamente envolvem uma família, passando pelas atividades de cada um, visitando rotinas simples e bem-vindas: a alimentar, a recuperar, a valorizar, por todas as razões e mais alguma. E na coexistência com o lobo.

Com as letras pequeninas, pretendeu-se dar espaço a esta memória dos dias sugerindo a voz interior ou a leitura em voz baixa, ao ouvido de alguém. Com a rotação do livro para ler estas frases na vertical, procurou-se separar a experiência de leitura entre imagens e textos, retardar ou diminuir a interferência de uma na outra. Num diálogo, sim, mas onde fala uma de cada vez.

A segunda parte do livro trata da família reunida, depois de mais um dia em que todos andaram ocupados, numa conversa ao serão: onde entram em cena os atores, desempenhando, cada um, o seu papel. Agora as vozes, as letras aumentaram, os segredos fazem-se ouvir, ainda que continuem a tentar esconder-se.

Isto, simplificando muito, pois estas questões envolvem, naturalmente, muitas outras – também elas relacionadas com a escrita e a ilustração, com a narrativa visual e textual, com a direção de edição e o design, com o livro e a leitura – que vamos colocando nas nossas palestras, quando nos perguntam sobre a maneira como fazemos os livros.