Uma conversa cheia de voz interior sobre o desafio de viver

Efémera foi um livro difícil. Porque, por vezes, é mesmo muito difícil tornar as coisas minimamente fáceis. Mas o paradoxo tinha que o obrigar a ser, também, um livro fácil: porque, face às perguntas mais difíceis, as respostas encolhem-se e concentram-se, praticamente, numa só. O livro parte de um olhar metafórico para um dos seres vivos com a vida mais curta que se conhece, a efémera: como um elogio à vida que, embora possa por vezes ser tão duro de pronunciar, é sempre o último reduto e a única direção. Nunca para esquecer. Mas para lembrar melhor.

Umas palavras de Rita Pimenta, que se juntou a nós através do seu blog letrapequenaonline:

“Isabelinha era a sexta irmã, nascida depois de cinco rapazes. Um dia quis dar de beber aos pássaros com sede e “foi surpreendida precocemente pelo inevitável”. É apenas isto que um dos irmãos, Gémeo Luís, aceita contar sobre a menina a quem dedica o livro Efémera, que editou e ilustrou. O resto da história percebe-se através das palavras de Eugénio Roda, um escritor amigo que assina o texto (Edições Eterogémeas).

“Efémera morreu. Não desapareceu, pois há quem a tenha visto sem vida. Não viajou, mas há quem diga que a viu rio abaixo. Também há quem a sinta no fundo do regato, dando vida a outras vidas”, escreve-se no início, em letras brancas sobre fundo negro. Mas as páginas seguintes hão-de ser coloridas. A apresentação está marcada para esta quarta-feira, 18 de Junho, às 18h, na Casa das Artes, no Porto. “É um livro sobre a morte. E um livro sobre a morte é um livro sobre a vida: sobre a vida como oposição à morte, sobre a vida como estratégia, como fundamento, como riqueza, como abundância”, diz Gémeo Luís, também professor universitário, que usou imagens “que resultam da experiência autobiográfica, representando os episódios ou etapas do ciclo vital”.
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UM LIVRO ENTUSIASMADO COM A VIDA

O ilustrador admite que algumas pessoas achem o livro triste, “mas ele quer ser feliz e positivo, entusiasmado com a vida. Sem deixar de ser profundamente sentido, pelos acontecimentos cuja compreensão não atingimos. Sem deixar de ser agradecido, pela oportunidade de fazer acontecer tudo o que está ao nosso alcance”. E não pretende que seja “pedagógico”, “moralista” ou “prescritivo”.

Lembra que alguém disse que, “quando um problema não tem solução, não é um problema”, para depois usar as palavras do escritor na obra: “Efémera tem uma vida curta mas não se lamenta. Seus filhos nascem, crescem e morrem, sem coisas ou ideias que não cabem na sua vida, na sua vida efémera. Lembram-se sempre da mãe e do pai, mesmo que não os tenham conhecido. Quando se lembram de um irmão levado pelo peixe brincalhão, sentem um nó na barriga – milhões de barrigas, milhões de nós. Mas o que se pode fazer por um nó assim? Tudo. Tudo o que se pode fazer por nós, assim!”

E conclui: “A única solução para um problema que não existe está à vista: (des)valorizar a morte valorizando a vida. Propomos um livro que começa pelo fim (para quem vê na morte um final), para mergulhar na vida em que ‘morremos de cansaço’, ‘morremos de amor’ ou ‘morremos de riso’.”
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DIFÍCIL É O DIÁLOGO, NÃO O TEMA

Porquê este livro (só) agora? “Todos os assuntos são subtemas da vida, o grande tema. Poderia ter sido noutra altura. Mas talvez tenha chegado o momento em que os outros temas ajudaram a amadurecer este, que tinha uma dedicatória à partida.”

Para o irmão de Isabelinha, “as nossas relações estão cheias de ‘temas difíceis’, mas difíceis não são os temas, difícil é o diálogo. Conversar sobre seja o que for passa por relacionar ideias e coisas. Mas também gestos, motivos e circunstâncias. Às vezes, é preciso ir directo ao assunto. Outras vezes, é necessário abordá-lo indirectamente, não para o evitar mas para trazer outros assuntos, aqueles que fazem parte. Raramente um assunto pode ser abordado sem falar noutros. Este ainda mais”. Por isso chamou ao encontro desta quarta-feira “Um Livro em Forma de Conversa”, onde estarão presentes o padre jesuíta Vasco Pinto Magalhães (nos livros Pensar a Morte e Pensar a Vida, foi entrevistado por Henrique Manuel Pereira), e também Bento Amaral, autor de Sobreviver, que aos 25 anos ficou tetraplégico, não deixando ainda assim de ser um importante atleta de vela.

Os autores esperam que o lançamento seja um encontro de amigos e famílias, “com experiências e opiniões diferentes”. Para Gémeo Luís, “este livro faz viagem conforme o viajante: mais longa e penosa, mais curta e vivaz; mais solitária, mais partilhada. Este livro dá-se a ler como quiser o leitor. Ou como quiser a sua memória, a sua surpresa, o seu sentimento. Este livro dá-se à conversa da forma que melhor entenderem os conversadores, sejam familiares, amigos, professores, pais, psicólogos. Este livro não foi feito para resolver a dor, a incompreensão, a inevitabilidade. Até ver, nada teve o poder de os resolver completamente.”