Ilustrações que saem dos livros para invadir a biblioteca

A Biblioteca Camilo Castelo Branco em Famalicão, uma das bibliotecas com visita recorrente das Etrogémeas recebe uma exposição de ilustrações que Gémeo Luís realizou para livros da Coleção Curto-Circuito. Mas este foi apenas o rastilho para curto-circuitar o espaço da biblioteca, proporcionando ao lugar um novo convívio com desenhos, objetos, esculturas que povoaram o espaço real para desafiar o imaginário de quem deambular pelo espaço.

Parte dos desenhos são da série Aventuras Domiciliárias, A História do Senhor Inquilino Caseiro, Uma História Verdadeira Seguida de uma História Real e Sonhos de Trazer por Casa, todos eles com texto de Estêvão Roque, um pseudónimo que trabalha numa imobiliária e ocupa os seus tempos à volta de casas imaginárias, sonhadas, desejadas, etc. E que partiu deste que é um dos temas mais abundantes no ilustrador, as casas-metáfora, construindo o texto a partir delas, como fragmentos narrativos ou comentários aforísticos.

Outra parte são da série Desventuras Completas, com os livros Lok-o Aprendiz de Si Próprio e Lok-a Estrela Carente, ambos com texto de Elliot Rain, um pseudónimo que persegue personagens que transitam entre eternidades. Também aqui, e como sucede em muitos outros livros, o texto sucedeu à imagem, funcionando como extensão para outras instâncias narrativas, manipulando as ilustrações procurando não lhes subtrair o seu universo próprio.

A mostra não se resume ao trabalho realizado para estes livros. Contemplando diferentes fases do trabalho do ilustrador, inclui ilustração tridimensional, esculturas que Gémeo Luís realiza em diferentes contextos dialogantes com a obra bidimensional publicada. Se esta última se confina essencialmente aos desenhos recortados em papel kraft, as esculturas, pelo contrário, adotam materiais sempre diversificados, como tecidos, madeiras, metais, plásticos, propondo ao observador uma relação táctil com as personagens e outras formas, convidando o olhar a renovar-se constantemente.

Esta diversidade de meios está relacionada, para além do trabalho propriamente do ilustrador, com o trabalho do designer, cuja ligação a diferentes áreas do design – comunicação, produto, equipamento -, à arquitetura, aos materiais, aos processos técnicos, artesanais e industriais se articula em diálogo interdisciplinar. De tudo isto beneficiam as edições e exposições que o ilustrador propõe.

A exposição estendeu-se assim por vários espaços da biblioteca, surpreendendo leitores e visitantes com personagens, adereços e cenários inesperados, quer pela escala, quer pela cor, quer pelos materiais, quer pela forma de expor, pela relação desafiadora com o observador. Procurando evitar o decorativo, criando contrapontos dinâmicos e estimulantes com a paz e a ordem do lugar.

Como diz Maria Emília Traça,”no panorama florescente da ilustração em Portugal, onde assinaláveis mudanças ocorreram, sobretudo ao longo da última década, o trabalho de Gémeo Luís destaca-se pela inovação, singularidade e constância. As suas ilustrações, tantas vezes surpreendentes, nunca são supérfluas, circunstanciais ou meramente decorativas. Na já longa série de livros, a que o seu nome surge associado, há sempre uma marca distintiva e original.”