Um diálogo irrequieto no Centro de Arte

O Centro de Arte de S. João da Madeira é um dos pontos no mapa das exposições itinerantes das Eterogémeas. Desta vez foi Dialog Login, um livro irrequieto com o texto de Elliot Rain, em várias línguas e com ilustrações numa só linguagem, a de Gémeo Luís.

Dialog Login foi um daqueles livros que partiu das ilustrações para o texto. A partir de um conjunto de desenhos do ilustrador, o escritor ensaiou um alinhamento narrativo ao encontro das personagens que já lá estavam mas que ainda não sabia- nem podia saber nem queria saber – quem eram. Para ir ao encontro delas com as palavras, Elliot Rain – pseudónimo de Emílio Remelhe que se dedica a perseguir personagens que saltam de eternidade em eternidade – meteu ecos de palco e vozes de personagens na cabeça, como as personagens-caso de Régio, as de Pirandello, e falas e coisas de cinema, de Fellini, de Woody Allen, etc.

O livro põe uma sucessão de vozes num diálogo internacionalizado sem tradução, onde os interlocutores são personagens que interagem numa espécie de omnipresença, metáfora do (des)entendimento sem fronteiras, nem geográficas nem linguísticas. Olhando para o passado, sempre que as pessoas se quiseram relacionar bem, nenhuma fronteira o impediu.
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ASSIM, NO PALCO DE DIALOG LOGIN, A CENA ABRE COM UMA DAS PERSONAGENS A GRITAR EM INGLÊS-MEGAFONE:

Words for everybody, please!
E outra logo (co)responde em Francês-Cerebral:

J´aime les paroles. On peut les boire, les manger, les parler… que peut-on dire toujours?

E o diálogo lá vai continuando, à volta das palavras e das coisas que se pensam e se comunicam através delas, até à despedida, claro está, com um provisório adeus em inglês, alemão, italiano, espanhol, francês e português.
E se o texto ancorou as imagens, fixando-as numa determinada nitidez ou melhor, em determinado ponto de vista, dando um caráter x ou y às personagens que já estavam desenhadas, estas, (co)respondendo ao desafio, reagem alargando as possibilidades de leitura, ultrapassando de novo o texto, na sua própria irrequietude.
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E SOBRE ISTO, SOBRE O QUE SUSTENTA ESTA IRREQUIETUDE DAS ILUSTRAÇÕES DE GÉMEO LUÍS NESTE LIVRO, BERNARDO PINTO DE ALMEIDA ELENCA AS SEGUINTES CARATERÍSTICAS:

“Uma severa investigação em torno das possibilidades da linha nas suas relações com o espaço (…)
Um sentido de animação e do movimento (…)
Uma certa vontade efabulatória presa no gesto elegante que se deixa embriagar pela voluptuosidade da linha e das sua volutas, à maneira de quem se encanta com os desenhos que no ar o fumo deixa suspensos por um breve instante (…)
Um sentido de síntese apurado que obriga as figuras a uma expressividade intensa (…)
Um gosto elaborado pelo enigma, efeito esse difícil que resulta sempre que se verifica o apagamento das fronteiras, mas também das tensões, entre for e fundo, para que nos seus trabalhos se possam gerar, como creio que acontece, sucessivos climas de sugestão e de surpresa visual.”

Fora do livro, esta exposição procurou manter a mesma irrequietude, saltando entre as paredes e o chão, fugindo às molduras, trazendo personagens em duas dimensões mas também tridimensionais.