Idiomáticas e Assintomáticas

A pedido de certas famílias biconfinadas e triconfiantes,
Eugénio Roda puxou da tradição oral e Gémeo Luís cuidou
da tradução visual.

Há quem ainda pense que tudo isto é puro nonsense, que tudo não passa de negócio-da-china ou de ócio-e-faxina. E fique em casa ferindo a asa ou saia para a rua como quem amua, passeando moralismos, resmungando legalismos, vociferando egoísmos.

Desde que o mundo é mundo,
o poço é opaco à superfície
e transparente lá no fundo.
Hoje, como outrora, aquele que jura,
paga juro de mora.
E jamais perde ou ganha pela demora.

Se te deitas à sombra da bananeira,
mais tarde ou mais cedo sai asneira.

Se não dizes coisa com coisa,
poisa o que dizes e trata da loiça.

Se agradas a gregos e a troianos,
espera pelos romanos.

Se tens a faca e o queijo na mão,
não cortes o coração.

Se não dás o braço-a-torcer,
não consegues conviver.

Se enfias o pé na argola,
ficas preso pela gola.

Se abandonas o barco,
vão todos ao charco.

Se abres o coração,
diminuis a frustração.

Se ficas a ver navios,
perdes os desvios.

Se dás uma mãozinha,
já não ficas sozinha.

Se dás a volta por cima,
melhoras o clima.

Se assobias para o lado,
ficas logo isolado.

Se não entendes patavina,
falta-te a vitamina.

Se ferves em pouca água,
bebes chá de mágoa.

Se apontas no teto,
perdes o amor pelo alfabeto.

Se andas sem rei nem roque,
vais andar a reboque.

Se abres a caixa de pandora,
não te podes ir embora.

Se fazes orelhas moucas,
podes ouvir boas e poucas.

Se sacodes a água do capote,
ela entra pelo decote.

Se choras lágrimas de crocodilo,
habituas-te ao estilo.

Se andas de nariz empinado,
mais facilmente és infetado.

Texto Eugénio Roda . llustração Gémeo Luís . 23.02.2021