Reinventámos uma cidade

“O lado educativo de algumas temáticas abordadas nos espetáculos que darão suporte ao projeto”. Nas palavras de Marta Martins, a oficina  «De Fio a Pavio», criada por Inês Barahona com a colaboração de Miguel Fragata, “brinca com a ideia de cidade, e das linhas que unem e afastam os seus habitantes. O livro possibilitou assim a introdução de alguns temas de trabalho que interessam especialmente à Artemrede: a noção de território, o lugar / a cidade / a vila, as identidades e diferenças, a criação de pontos de encontro”. Estes formadores referem o uso do livro “como pretexto para trabalhar a ideia das cidades, dos caminhos e das linhas que nelas existem, que nos fazem perder e reencontrar, num trabalho para crianças do pré-escolar. Foi proposto um trabalho de descoberta das linhas que recobriam as páginas das aventuras de Mir e Mur: as linhas do céu e do chão, os contornos e silhuetas que se podiam descortinar e as respetivas figuras e personagens. Lemos o seu movimento através da dança e reinventámos uma cidade”.

Marta Martins, programadora..

.

Mirela era uma menina cheia de brincadeira, Murilo era um menino cheio de sorriso.

Todos os dias sorriam e brincavam, seguindo o aroma das flores, escutando o chilrear dos pássaros, saboreando a frescura dos frutos, sentindo a textura das árvores, olhando a paisagem ao pôr-do-sol. Um dia, sem saberem, nem como nem porquê, foram ter à cidade. E, entre sorrisos e brincadeiras… perderam-se um do outro! Andaram, correram, espreitaram, chamaram… nada!

Mirela mirava à sua volta: Onde vou eu agora encontrar Mur?

Murilo murmurava pelos cantos: Como vou eu agora encontrar Mir?

Enquanto andava sem saber por onde, Mir encontrou uma pequena gota de água e disse-lhe:

– Perdi o meu amigo Mur e não sei que faça para o encontrar….

– Grande coisa!… estou farta de coisas grandes que se perdem! às vezes até há pessoas que perdem o autocarro… uma coisa tããão grande! Olha para mim, aqui, sozinha, pequena… eu sim, estou perdida! Se me ajudares, talvez eu te ajude também! – respondeu-lhe a gota.

– E que queres tu que eu faça?– Perguntou Mir, desconfiada daquela conversa……..

– Olha, leva-me contigo! Queria tanto ver as minhas amigas, a minha família… leva-me para o lago ou, pelo menos, para uma poça de água!

Com o indicador, Mir segurou a gota com cuidado e levou-a sem nunca perder de vista a ponta do dedo. A gota ia falando, falando:

– Blá blá blá, blá blá blá… e dentro de um copo de água, sabes quantas gotas há …?

Pelo caminho, passaram por lugares cheios de brisa doce, de sons vindos não se sabe de onde, de ideias em forma de palavra sussurrada. Para Mir era tudo novidade, mas agradável. E sentiu ainda mais saudades do seu amigo:

– Se Mur estivesse aqui…

– Bem, acho que posso ajudar-te! Leva-me para o rio, que ele levar-me-á ao mar… depois é só esperar para subir às nuvens: quando fizerem de mim chuva, poderei, ao cair, avistar Mur, e avisar-te-ei.

Algures, no outro lado da cidade, Mur seguia um emaranhado de fios que se enrolavam e desenrolavam rua abaixo, dizendo-lhes:

– Perdi a minha amiga Mir e não sei o que fazer para a encontrar….

– Ora… – interrompeu o cordel – olha para mim, todo baralhado, completamente perdido, sem ponta por onde se me pegue… ajuda-me a recompor e talvez depois eu te ajude!

– Mas que posso eu fazer?– Perguntou Mur, tentando desfiar ideias confusas.

– Primeiro, ajuda-me a parar, que já tenho a cabeça à roda! Isso… agora, enrola-me até encontrares a outra ponta, fazendo de mim o que eu era, antes de isto acontecer.

– E o que eras tu? – Perguntou Mur

– Um novelo! Que haveria eu de ter sido senão um novelo? Agora puxa o fio… quem sabe se não estará na outra ponta a tua amiga Mar ou Mir ou lá como se chama…?

Mur puxou, puxou e voltou a puxar… Cada vez que puxava, surgia uma nova ponta e cada ponta nova trazia uma coisa diferente: um sapato velho, um animal abandonado, um automóvel, um chapéu, um turista de um país distante, uma bicicleta… coisas de cidade! Mas, de Mir, nada!

Mur sentou-se desanimado e o novelo sentiu que estava apenas a enrolar… disse-lhe:

– Fica descansado, que eu vou percorrer a cidade de fio a pavio, até encontrar Mir!

Eugénio Roda, excerto do livro