Prende e surpreende do princípio ao fim

Catabrisa resultou de uma encomenda do Teatro Maria Matos, um desafio de Susana Menezes a Gémeo Luís para criar um teatro de sombras. O ilustrador convidou Eugénio Roda para escrever, Joana Providência para encenar e Manuel Cruz para musicar. Juntou-se-lhes Filipe Caldeira para interpretar. A Co-produção foi do Maria Matos Teatro Municipal, Centro Cultural de Vila Flor, Comédias do Minho, Fundação Lapa do Lobo, Fundação Casa da Música, Teatro Joaquim D’Almeida e Companhia Instável.

A partir do livro Catavento, Eugénio Roda escreveu Catabrisa. «Olha à tua volta: tudo se mexe, mexendo com o ar. Até o respirar. Já ouviste dizer que esta brisa, que sentes no cabelo, pode vir do outro lado do mundo, onde uma pequena borboleta bate as asas? Ou que pode vir do teu interior, da tua força de vontade? Talvez esta seja uma história sobre o vento, pois é com o vento que vão e vêm as sementes, as ideias e a vontade de mudar o mundo».

Gémeo Luís desenhou figurino e cenografia. Visto do interior, o cenário é um habitáculo com tudo e todos lá dentro, público, ator, adereços. Visto do exterior, é um gigante, com cabeça, tronco e membros compridos. Quando instalado num espaço interior, pernas e braços querem sair pelas portas e janelas para convidar transeuntes e receber espetadores. No espaço exterior da paisagem, um helicóptero explica melhor.

Para a dupla Gémeo Luís-Eugénio Roda, Catavento passou de um teatro – o teatro do livro – para outro, o de Catabrisa, aumentando as vozes e alargando as leituras num outro espaço, «um espaço de ideias em forma de sensação, um lugar de sensações em forma de gesto, um sítio de gestos em forma de som, um mapa de sons em forma de sombra, um mundo de sombras em forma de história para todos. Para todos verem, ouvirem, sentirem e pensarem com a forma de ver, ouvir, sentir e pensar de cada um».

Num espetáculo para toda a família, Catabrisa oferece um jogo encenado e coreografado de um ator entre luzes e sombras, entre palavras, silêncios e sons. Estreou em 2012 em Lisboa no Maria Matos, e a sua digressão nunca mais parou, somando até à data mais de duas centenas e meia de apresentações em teatros, bibliotecas, museus, escolas, etc. Integrou festivais de teatro pelo país, Palcos do Românico, Artenrede. Fora de portas, integrou o programa Chantiers d´Europe, com apresentação no Thêatre de la Ville.

No seu blog Teatro Público (blogues.publico.pt), num texto intitulado «O que o vento traz»,  Tiago Bartolomeu Costa escreveu em novembro de 2012:

“Catabrisa estreou em Fevereiro no teatro Maria Matos, em Lisboa, e amanhã, na aldeia de Lapa do Lobo, no concelho de Nelas, distrito de Viseu, celebra a sua 91ª apresentação. Co-produzida pela Fundação Lapa do Lobo, um projecto secreto que tem na dinamização da região o seu maior fito, a peça, construída por Joana Providência (coreografia), Manuel Cruz (música) e Gémeo Luís (cenário, figurino e objectos), a partir do livro Catavento que o ilustrador assinou com Eugénio Roda (Edições Eterogémeas) é uma surpresa. Interpretado por Filipe Caldeira, é um exercício de precisão coreográfica, entre a dança, o circo e o teatro que nos deixa rendidos desde o início.

O modo como os diferentes autores foram combinando as suas linguagem, mergulhando os espectadores (a peça é para idades compreendidas entre os 6 e os 10, mas merece ser vista por todos) num mundo onde há palavras que não se encontram, há segredos dentro da própria casa e surpresas que fazem crescer quem vive essa aventura de um dia espreitar pela janela e descobrir um mundo ainda maior, transforma por completo a nossa noção de construção progressiva de um olhar.

Porque é o vento é o maior protagonista desta peça, os objectos de Gémeo Luís, os sons de Manuel Cruz e os movimentos desenhados por Joana Providência, surgem aqui como modos de o materializar, operando numa complementaridade imaginativa e nunca territorial, dando ao texto de Roda modos de evoluir no que seria apenas intuição e sugestão.

Muitas vezes as peças infantis parecem esquecer o público para quem se dirigem, a sua inteligência e a sua sagacidade. Aqui, num texto de uma poética hipnotizante, as palavras de Eugénio Roda encontram e preenchem as formas bidimensionais de Gémeo Luís e revelam modos de narrar e imaginar desafiantes. A surpresa é tanto maior quanto nos damos conta da complexidade do movimento, da música e da cenografia, elementos que, combinados, constroem um trabalho de delicada forma.”