Sonhos e Mediação em dias de verão
A Eterogémeas já visitou várias vezes o Centro Oeiras a Ler. Em parceria ou individualmente, a dupla – Gémeo Luís (Luís Mendonça) e Eugénio Roda (Emílio Remelhe)- realizou oficinas e conversas, acompanhadas de livros e exposições dos originais. Numa das colaborações, os autores realizaram, «Re-Ver Sonhar», uma oficina de escrita criativa e de ilustração, desenvolvida a partir do livro «Rêve». Os sonhos são um tópico recorrente no trabalho da dupla, atravessando o vocabulário textual e pelas metáforas visuais, para se alojar no objeto, no espaço físico e semântico do livro em si mesmo.
João Paulo Cotrim considera «o sonho» um dos tópicos trazidos nos livros ilustrados e orquestrados por Luís Mendonça para o domínio da edição. Diz Cotrim que “pela quantidade e constância dos álbuns editados, pois há acrescentar ao trabalho de design e de ilustrador o de editor, Gémeo Luís, também muito por via da sua parceria com Emílio Remelhe, afirmou uma voz distinta, de grande simplicidade e extrema eficácia. Em momento de imposição industrial soube afirmar uma alternativa (colorida, quando tantos pensariam que é preto-e-branco…). O seu trabalho em torno do objecto total fez dos seus livros, à maneira de algumas tribos de nativos norte-americanos, uma rede de apanhar sonhos. A obra de Gémeo Luís trouxe à literatura para a infância e juventude o sonho. E a noite.”
Neste contexto, também Inês Fonseca Santos se refere à ideia de sonho, quando diz que “o trabalho de Gémeo Luís é inesperado e surpreendente; parece feito da mesma matéria de que são feitos os sonhos e, por isso, parece de certo modo infinito nas relações que cada linha cria – com outras linhas, com a imaginação de quem desenha e com a imaginação de quem observa o desenho.”
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MAIS UMA OFICINA
Integrada no Curso de Verão Olhar é Semear, a oficina «Re-Ver Sonhar» articulou escrita criativa e processo ilustrativo, desafiando leitores a ler, a ver e reagir ao livro de mangas arregaçadas:
«Olhamos, procuramos, investigamos. Penetramos, atravessamos as coisas com o olhar, multiplicamos, aprofundamos, vemos. O olhar escava a visão, diz José Gil. Começado o jogo do conhecimento sabe-se lá onde, ele persiste em continuar, sabe lá para onde ou até onde: através do persistente transporte da linguagem, através da actualização do olhar. Receber ou dar? Colher ou semear? Semear é significar, colher é significar. Então colher é semear e vice-versa, porque a colheita é o reverso da sementeira. Ver e ler, colher o que se vê e lê, semear o que se selecionou ou ficou disso mesmo. Não vemos, não lemos senão signos: tudo significa. Então podemos ver e ler de olhos abertos. Então podemos ver e ler de olhos fechados: imaginar, sonhar. E podemos trabalhar sobre isso também em férias. Aliás, é somente graças a um descanso psíquico – o sonho – que a minha consciência vai por vezes de férias, diz Louis Aubert.»
Assim começava um atelier com professores, bibliotecários, mediadores, num espaço de partilha, questionamento, descoberta, esclarecimento, troca de pontos de vista, experimentação, sugestões, etc. Mãos à obra sobre a linguagem, a leitura, escrita, a ilustração, a relação texto-imagem, o livro, os leitores, as bibliotecas, as escolas. Ponderando e alinhavando com os educadores meios e modos de mediação de um livro à primeira vista difícil.
“Rêve não é – nem pretende ser, julgo eu – um livro fácil; daí que, num primeiro momento, pela sua singularidade, possa afastar um público mediador menos habituado à leitura do álbum poético. Este tipo de público necessitará, ele próprio, de mediação. Para um público mediador que já conhece as obras precedentes, este livro é, de alguma forma, misterioso, sedutor, genialmente viciante, desde logo, em função do suporte e da materialidade do objecto livro; depois, pela poética do(s) texto(s)+das ilustrações” Leonor Riscado
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MAIS UMA EXPOSIÇÃO
Uma vez mais, o espaço de troca é enriquecido com os trabalhos originais do ilustrador, alargando as possibilidades de partilha com os mediadores educativos. E uma nova oportunidade para apreciar as imagens-objecto de Gémeo Luís. Mas é também um lugar para encontrar, com tempo, um mundo de histórias para crianças, pais, avós, alunos e professores. Histórias e imagens para quem ainda não as descobriu, para quem já não prescinde delas:
“De imediato, a técnica que faz surgir das suas figuras de recorte mundos paralelos, etéreos e absolutos em si próprios, é uma assinatura absolutamente reconhecível deste ilustrador. Os alongamentos das silhuetas, os rastos de fitas voadoras – música, vento, pensamento, gesto – em arredondamentos imensos contrariam a fixidez do recorte e o peso da cor inteira. Estas simplificam a leitura e sublinham a opção pelas silhuetas onde o leitor mergulha (também a partir de si próprio) num mundo de sensações mas que não são apenas isso: são ainda desafios conceptuais. As ilustrações de Gémeo Luís usam estradas autónomas. Conversam com as palavras que as acompanham nas páginas dos livros como que iluminando janelas mas nunca morando inteiramente nelas. É esse o desafio da sua essência. É por essa doce personalidade rebelde e dos seus contrastes com os textos que contacta que o fogo bom da leitura dupla se produz.”
Dora Batalim